Prefácio: A SAGA DE UMA ITALIANINHA
Deus concedeu-me a graça de encontrar pelo meu caminho a talentosa cantora Soninha Moreira e seu inseparável companheiro de viagem nesta vida Nadilson Macedo que é guitarrista e arranjador de mão cheia quando eu ainda engatinhava nos primeiros versos fazendo letra de música e acalentava o sonho de ver algum dia ao menos uma delas gravada a girar num velho disco de vinil. Naquele tempo nem se ouvia falar em CD ou nos diversos tipos de mídia que existem hoje para disseminação de versos e acordes embalados em canções -, ou ainda, nas infinitas possibilidades que vieram à tona com revolução da Internet.
E lá se foram quase trinta anos.... E nem sei “quantas luas apaguei para ver o sol trazer de volta minha lucidez” sem acordar daquele sonho no ano de 1989 quando ela com toda sua generosidade decidiu registrar nada menos que quatro das letras que fiz em parceria com diferentes compositores no seu primeiro LP.
Agora em 2014 a reencontrei portadora da boa nova de que escreveu um livro contando não apenas a história de sua vida, mas também de sua origem italiana repleta de personagens dos quais logo ficamos íntimos pela espontaneidade com a qual essa mineira de Itabirito, que ganha a vida encantando as pessoas com sua voz nas noites de Belo Horizonte e arredores consegue ir puxando os muitos fios de sua memória viva para nos envolver nos detalhes narrados usando também para isso fotos e documentos de .época que giram em torno da verdadeira saga de Laura, sua mãe, que foi rejeitada ao nascer sendo enviada para uma instituição religiosa e que mais tarde ficou conhecida em Itabirito – MG como “a moça que veio da Itália para o Brasil e fugiu do convento”. E ai de quem falasse mal dessa fujona perto de Sá Notata, respeitada parteira na cidade e mãe adotiva de Lauda, criança que durante a segunda guerra mundial conseguiu escapar de ir para algum campo de concentração dos alemães escondendo-se deles debaixo do altar da capela quando esses invadiram o convento aonde ela morava.
.
Durante a leitura do livro foram vários os trechos nos quais me emocionei pelo que têm de verdade e que por isso me fizeram crer que ele pode transformar-se numa novela, e de sucesso, sim, dessas que nos rendem personagens inesquecíveis. Imagine por exemplo Fernanda Montenegro interpretando o papel da velha parteira, Sá Norata, numa cena dessas.
“A velha chamou as filhas e se encaminhou para aquele palacete onde morava a família do médico. Chegando lá, disse poucas e boas para a ricaça e ordenou que Laura pegasse suas poucas coisas e viesse com elas para sua casa. Sem dizer nada, Laura seguiu aquela boa senhora e suas filhas, confiante em seu novo destino.
Chegando naquele lar humilde, foi recebida com todo carinho, entre lágrimas que escorriam pelos olhos das “meninas” de Sá Norata, enquanto a velha senhora dizia para minha mãe que, daquele dia em diante, ela era mais uma filha da casa e de lá só sairia casada, com moço bom e de boa família”.
Soror Vicenza passou a ser o nome de Laura quando foi para o convento. Aos 19 anos não conhecia nada além daqueles muros. O mundo fora era apenas um sonho. Não tinha a verdadeira vocação para seguir os votos de freira. Apenas ouvia falar de outros países, lugares e pessoas. Até que um dia como no Brasil faltava mão de obra para trabalhar em hospitais e colégios apareceram no convento à procura de voluntárias e com todas reunidas em um salão perguntaram “Alguém quer ir para o Brasil?”
E aquela moça inocente aguçando sua curiosidade levantou a mão e disse: “Eu quero!”
E foi assim que um dia a italianinha Laura, mãe de Soninha Moreira, veio da Itália, atravessou o mar e descobriu esse país sem imaginar que eu também seria adotado por sua filha, que considero minha mãe nas artes.
Diovani Mendonça
Deus concedeu-me a graça de encontrar pelo meu caminho a talentosa cantora Soninha Moreira e seu inseparável companheiro de viagem nesta vida Nadilson Macedo que é guitarrista e arranjador de mão cheia quando eu ainda engatinhava nos primeiros versos fazendo letra de música e acalentava o sonho de ver algum dia ao menos uma delas gravada a girar num velho disco de vinil. Naquele tempo nem se ouvia falar em CD ou nos diversos tipos de mídia que existem hoje para disseminação de versos e acordes embalados em canções -, ou ainda, nas infinitas possibilidades que vieram à tona com revolução da Internet.
E lá se foram quase trinta anos.... E nem sei “quantas luas apaguei para ver o sol trazer de volta minha lucidez” sem acordar daquele sonho no ano de 1989 quando ela com toda sua generosidade decidiu registrar nada menos que quatro das letras que fiz em parceria com diferentes compositores no seu primeiro LP.
Agora em 2014 a reencontrei portadora da boa nova de que escreveu um livro contando não apenas a história de sua vida, mas também de sua origem italiana repleta de personagens dos quais logo ficamos íntimos pela espontaneidade com a qual essa mineira de Itabirito, que ganha a vida encantando as pessoas com sua voz nas noites de Belo Horizonte e arredores consegue ir puxando os muitos fios de sua memória viva para nos envolver nos detalhes narrados usando também para isso fotos e documentos de .época que giram em torno da verdadeira saga de Laura, sua mãe, que foi rejeitada ao nascer sendo enviada para uma instituição religiosa e que mais tarde ficou conhecida em Itabirito – MG como “a moça que veio da Itália para o Brasil e fugiu do convento”. E ai de quem falasse mal dessa fujona perto de Sá Notata, respeitada parteira na cidade e mãe adotiva de Lauda, criança que durante a segunda guerra mundial conseguiu escapar de ir para algum campo de concentração dos alemães escondendo-se deles debaixo do altar da capela quando esses invadiram o convento aonde ela morava.
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Durante a leitura do livro foram vários os trechos nos quais me emocionei pelo que têm de verdade e que por isso me fizeram crer que ele pode transformar-se numa novela, e de sucesso, sim, dessas que nos rendem personagens inesquecíveis. Imagine por exemplo Fernanda Montenegro interpretando o papel da velha parteira, Sá Norata, numa cena dessas.
“A velha chamou as filhas e se encaminhou para aquele palacete onde morava a família do médico. Chegando lá, disse poucas e boas para a ricaça e ordenou que Laura pegasse suas poucas coisas e viesse com elas para sua casa. Sem dizer nada, Laura seguiu aquela boa senhora e suas filhas, confiante em seu novo destino.
Chegando naquele lar humilde, foi recebida com todo carinho, entre lágrimas que escorriam pelos olhos das “meninas” de Sá Norata, enquanto a velha senhora dizia para minha mãe que, daquele dia em diante, ela era mais uma filha da casa e de lá só sairia casada, com moço bom e de boa família”.
Soror Vicenza passou a ser o nome de Laura quando foi para o convento. Aos 19 anos não conhecia nada além daqueles muros. O mundo fora era apenas um sonho. Não tinha a verdadeira vocação para seguir os votos de freira. Apenas ouvia falar de outros países, lugares e pessoas. Até que um dia como no Brasil faltava mão de obra para trabalhar em hospitais e colégios apareceram no convento à procura de voluntárias e com todas reunidas em um salão perguntaram “Alguém quer ir para o Brasil?”
E aquela moça inocente aguçando sua curiosidade levantou a mão e disse: “Eu quero!”
E foi assim que um dia a italianinha Laura, mãe de Soninha Moreira, veio da Itália, atravessou o mar e descobriu esse país sem imaginar que eu também seria adotado por sua filha, que considero minha mãe nas artes.
Diovani Mendonça
Introdução:
Minha mãe e eu
Um dia minha mãe veio da Itália, atravessou o
mar e descobriu esse país. Aceitou a
nova pátria de coração aberto e aqui fincou suas raízes.
Aqui minha mãe encontrou o amor, construiu
seu castelo e nele fez brotar os frutos desse amor.
De sua terra natal ela trouxe a música, pois
lá se respira música e arte, e desde então ela sempre esteve presente em nossas
vidas.
Acho que cantei ao nascer!
As lindas melodias de sua juventude foram
encontrando alento em meu pensamento, desde a tenra
idade.
Sempre gostei de ouvir minha mãe cantar e com
ela fui aprendendo a gostar de cantar também. Quando essa arte desabrochou de
verdade dentro do meu pensamento, tomou conta de mim, e aceitei de corpo e alma
o dom que Deus me havia premiado nesta existência.
]
Cantar é me entregar de corpo e alma aos
sons, à melodia e poesia que vou vivendo num êxtase total.
Um dia minha mãe nos deixou. Virou uma
estrela a mais no firmamento! Para ela
eu canto a música italiana que ela tanto amava.
Minha
mãe, Laura, foi uma mulher fantástica e deixou
uma história de vida maravilhosa!
Adotou
o Brasil como sua segunda pátria e, embora acalentasse o sonho de voltar um dia
para abraçar sua mãe, seu pai e seus irmãos, esse dia nunca chegou.
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No Brasil
No Rio de Janeiro
O navio aportou
no Rio de Janeiro. Os passageiros desembarcaram e as noviças se encantaram com
as belezas do nosso país. Era o ano de
1938.
Da sua chegada ao
Rio de Janeiro, foi direto para o hospital da Congregação Franciscana, onde
permaneceu trabalhando em serviços pesados de cozinha e limpeza geral.
Era forte, muito
corajosa e trabalhadeira. Em suas horas de folga, visitava os doentes, dava-lhes
um banho, se necessário, prestava-lhes cuidados e atenção caridosa. Não tinha estudos, seus conhecimentos eram
apenas religiosos.
Somente muitos anos após a sua morte, olhando
seus documentos, percebi que no passaporte constava uma autorização de permanência
no país durante um ano. Findo os dois
anos, já em estado ilegal, a Madre Superiora tentou revalidar o passaporte, mas
foi negada a sua permanência em 24 de maio de 1940.
Foi então que a transferiram para o interior
de Minas Gerais, sem que ela soubesse dos detalhes, para que ficasse escondida
e ninguém pudesse encontrá-la.
Nunca lhe disseram a verdade, pois era forte,
trabalhadeira e certamente faria falta se fosse deportada para a Itália.
Foi transferida então, para outro hospital da
mesma congregação Franciscana, no interior de Minas Gerais, Itabirito.
Como acontece em pequenas cidades do interior
mineiro e principalmente naquela época, Itabirito-MG não era diferente. Terra de povo amistoso, acolhedor, mas também
de pessoas interessadas em saber da vida alheia.
As freiras encontraram muito trabalho por lá.
Mamãe fazia amizades com todo mundo, embora tivesse
dificuldade de se comunicar, uma vez que não falava a nossa língua. Porém, se
esforçava para aprender, procurando ler os jornais, no intuito de entender
melhor as palavras.
Muitas vezes confidenciava com as amigas a
vontade de deixar o convento, mas não tinha para onde ir e nem como voltar para
sua terra natal.
Certa ocasião, comentando sobre esse assunto com
a Madre Superiora, foi castigada e proibida de sair do hospital, o que lhe
causou profunda tristeza.
Havia um jovem médico naquele hospital, no
qual minha mãe confiava, e em uma de suas conversas, ela acabou lhe revelando a
vontade que tinha de deixar o convento, e também sobre o medo do mundo lá fora,
por não conhecer ninguém e não ter para onde ir.
A mãe do médico, pessoa de muitas posses, ao
saber do assunto logo imaginou ter em casa uma boa empregada, pois conhecia os
dotes da jovem.
Não demorou a oferecer-lhe abrigo, dizendo a
ela que em sua casa seria recebida como filha, podendo sair do convento a hora
que quisesse.
Com o coração cheio de esperança, acreditando
nas promessas daquela senhora, e com a ajuda do seu filho médico, ela fugiu do
hospital.
Foi morar com aquela família abastada, mas
tão avarenta, que logo de início sentiu-se triste e arrependida.
Permaneceu na
casa por dois meses, até que adoeceu, por falta de alimento adequado e uma vida
quase escrava.
Sentia fome e os alimentos eram regrados. Não
tinha aquela fartura do hospital, onde trabalhava muito, mas se alimentava
direito.
Mãe Brasileira
Do outro lado da cidade, moravam Sá Norata e
suas filhas, quase todas solteiras. Somente Izaura, a mais velha, se casou, mas
não teve filhos biológicos, por isso adotou uma menina, Darcy, e criou com todo
carinho.
Luiz, o marido de Izaura, era um homem
trabalhador, porém gostava de beber e toda vez que voltava do trabalho, não
deixava de tomar uma “pinga” no bar da esquina, para desespero da mulher.
pretendentes a vida toda, mas que nunca levou
ninguém ao altar. Foi escolhido depois,
para ser meu padrinho. Na casa morava também o irmão de Luiz, João Pombo,
solteirão, rodeado de
As filhas Maria, Graciana e Noratinha, eram
muito conhecidas de todos.
Noratinha, inclusive, era muito amiga de
minha mãe lá no hospital, e ficou sabendo do que aconteceu por lá. Conheciam também a família do médico e sabiam
da fama deles.
A velha Sá Norata era parteira antiga, muito
respeitada por todos na cidade, desde o prefeito até as maiores autoridades da
cidade.
Era comum aparecer alguém em sua casa e lhe
tomar a benção, uma vez que a maioria deles veio ao mundo pelas mãos daquela
velha parteira, inclusive aquele médico lá do hospital que ajudou minha mãe a
fugir do convento.
Foi então que Noratinha contou para a mãe o
que estava acontecendo com Laura.
A velha chamou as filhas e se encaminhou para
aquele palacete onde morava a família do médico. Chegando lá , disse poucas e boas para a
ricaça e ordenou que Laura pegasse suas poucas coisas e viesse com elas para
sua casa.
Sem dizer nada, Laura seguiu aquela boa
senhora e suas filhas, confiante em seu novo destino.
E foi assim que minha mãe conheceu sua
verdadeira família aqui no Brasil.
Chegando naquele lar humilde, foi recebida
com todo carinho, entre lágrimas que escorriam pelos olhos das “meninas” de Sá
Norata, enquanto a velha senhora dizia para minha mãe que, daquele dia em
diante, ela era mais uma filha da casa e de lá só sairia casada, com moço bom e
de boa família.
Feliz, pela primeira vez, minha mãe se tornou
parte daquela família que, na verdade, era sua primeira e verdadeira família.
À missa aos domingos, lá ia Sá Norata muito
orgulhosa de suas filhas, sem distinção de cor.
Na cidade muito se comentou da freira que havia
fugido do convento e que estava morando na casa de Sá Norata, mas ninguém se atreveu
a falar nada diante daquela senhora e suas filhas, senão era desavença na
certa.
Qualquer comentário maldoso era briga com a família
toda, e as filhas defendiam minha mãe a qualquer custo.
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O Moreira
Meu pai era um jovem de classe média, naquela
pequena cidade, e junto com os irmãos: Luiz, Tonico,
João e Tide,
tinha uma pequena fábrica de calçados que se chamava Fábrica de Calçados Irmãos
Moreira.
Eles tinham uma
única irmã, Odete, a caçula de Vó Zica, que se casou com um turco e foi morar em
Juiz de Fora. O casal teve uma única filha, Norma, que era a neta preferida de Vó
Zica. Ela gostava muito do turco ricaço.
Papai participava do time de futebol, era o
mais brincalhão nos carnavais e todos sabiam da sua fama de namorador e pé de
valsa nos bailes da cidade.
Era um jovem
honesto e trabalhador. Gostava dos bailes e da farra. Era disputado pelas
moçoilas da época a rodopiar pelos salões. Não perdia um baile sequer.
No carnaval,
sempre se fantasiava e comandava os blocos que desfilavam pelas ruas da cidade.
Só
aparecia em casa na quarta-feira de cinzas, e deixava a sua mãe aflita e preocupada.
Porém, era muito amigo e companheiro de todos e estava sempre cercado de amigos,
por todos os lados.
Ouviu falar de Laura, minha mãe, e logo quis conhecê-la.
Era conhecido de Honorata e suas filhas, e quando
foi visitá-las, logo se encantou por Laura.
O amor dominou aquele jovem rebelde e ele
começou a fazer planos para se casar com a moça.
D. Zica foi contra, pois jamais imaginou que
seu filho pudesse se casar com uma moça comentada em toda a cidade, por ter
fugido do convento e ter vindo de outra parte do mundo e que nem sequer sabia
falar o mesmo idioma.
Mas de nada adiantou! Moreira correu a pedir
Laura em casamento.
A velha Honorata sentou-se numa cadeira na
sala de visitas: Moreira de um lado, Laura de outro, as filhas presentes.
Moreira fez o pedido, ouvindo em seguida o
seguinte discurso: "somos pobres, mas muito honradas. Laura agora faz
parte da nossa família e desejo fazer seu casamento como se fosse uma de minhas
filhas. Não tenho condições de lhe dar todo o enxoval do casamento, mas faremos o que for preciso"
Moreira pediu permissão à Honorata para
ajudar nas despesas, pois queria que Laura fosse a noiva mais bonita da cidade.
Foi assim que, com algum dinheiro, compraram
tecidos, bordaram, fizeram o enxoval, o vestido e todos os preparativos para a
festa.
O Casamento
Honorata e as filhas puseram-se a preparar o
enxoval para o casamento.
De gênio difícil, Dona Zica, que veio a ser minha avó paterna, era uma velhinha baixinha e muito ranzinza.
De gênio difícil, Dona Zica, que veio a ser minha avó paterna, era uma velhinha baixinha e muito ranzinza.
Por causa do seu temperamento, acabou se
tornando inimiga de todos.
Todos queriam ver o casamento da "freira" com aquele Don Juan da cidade e a casa ficou pequena pra tanta gente.
A festa foi completa! Tinha bolo de noiva,
muita comida e doces à vontade.
Meu pai arranjou uma bela casa, toda
mobiliada, e pra lá foram os noivos, depois da festa. Assim começou a nova vida
dos dois.
A Fábrica de Calçados
Junto com alguns
poucos funcionários, meu pai e os irmãos administraram a pequena fábrica de
calçados que trazia na entrada os dizeres: Fábrica de Calçados Irmãos Moreira.
Infelizmente, não
foram muito bem sucedidos naquele empreendimento e a falência foi inevitável.
Quando meus pais
tinham quatro anos de casados, foi decretada a falência da empresa.
Foi um tempo
muito sofrido para os dois, e na ocasião, a ajuda da vó Norata foi fundamental
para que eles conseguissem se reerguer.
Os Filhos
Minha mãe e sua
nova família foram morar perto da casa da vovó Norata e suas filhas, naquela
pequena cidade em que todos nós viemos ao mundo.
Primeiro a minha
irmã mais velha, que se chamou Maria José, a qual vó Norata e as tias logo
adotaram e não davam sossego à menina. Era de colo em colo o tempo todo!
Mamãe queria que
minha avó batizasse minha irmã, porém pela idade já um tanto avançada, ela disse
que a menina ia crescer sem madrinha.
De tanto minha
mãe insistir, aconteceu o batizado, com direito a festa na casa da avó/madrinha
e tias, com muito doce e salgado para comemorar.
Apesar da idade,
vovó viveu até os cem anos, e assim acabou conhecendo os bisnetos e tataranetos,
vindos da nossa família.
Logo em seguida
nasceu o Jorge, enquanto minha irmã não havia completado nem um ano de
vida. Naquele tempo era assim: os filhos
vinham todos de uma vez.
Apesar dos filhos
pequenos, minha mãe sempre procurou manter a casa muito arrumada. Era
caprichosa e limpava tudo com muito gosto.
Meu pai lhe fazia elogios e viviam muito bem.
Minha avó Zica nunca
aceitou o casamento, e tampouco os netos.
Manteve essa opinião
a vida toda, e por causa disso, tivemos pouco contato com ela. Pena
não ter usufruído de uma bela convivência com os netos!
Alguns meses
depois, meus pais se mudaram para uma casinha mais modesta, ainda perto da casa
da vovó.
Um ano depois eu
nascí, a caçulinha, Sonia Maria.
Quando eu nascí,
não tinha nome ainda escolhido quando meu pai, ao ler um jornal, viu uma foto
de um homem carregando uma criança que se chamava Sonia Maria. Chamou minha mãe e disse: -“já sei qual o
nome daremos a nossa filha: Sonia Maria”.
E assim o foi.
Pronto, aí estava
a família brasileira que minha mãe havia constituído!
Como Deus sabe o
que faz, depois que eu nascí, minha mãe não pôde mais ter filhos, e ficamos somente
nós três.
Morávamos em uma
casinha simples, porém com um bom quintal, coisa fundamental naquela época,
pois era lá que a gente brincava.
Enquanto nós
brincávamos, mamãe aproveitava para costurar sapatos e ajudar meu pai.
Não eram muito
fáceis as brincadeiras, pois sendo duas meninas e um menino, sempre havia
disputas, quando montávamos a casinha.
Geralmente, a Biseca,
apelido que demos a nossa irmã mais velha, era a mãe, o Jorge o pai, e eu a
filhinha deles.
De vez em quando,
o Jorge era o dono da “venda”, cargo que a Biseca também cobiçava, e com isso
havia discussão.
Alguns caixotes vazios
transformavam-se em ônibus e Jorge sempre queria ser o motorista, mas como Biseca
era pirracenta, acaba querendo exercer a mesma função que o irmão.
Certa vez,
enquanto almoçávamos, Jorge enterrou alguns dos nossos brinquedos no quintal e
então foi aquela choradeira e muito castigo.
Coisas de criança!
Mamãe fazia
amizades com toda a vizinhança.
Perto da nossa
casa morava a Dona Tilma, costureira que fazia as nossas roupas, e com a qual mamãe
construiu uma grande amizade.
Muitos anos mais
tarde, minha mãe acabou sendo o cupido na vida dessa senhora, pois foi ela quem
lhe apresentou o companheiro Otacílio, com quem ela partilhou a vida. Foi uma eterna amizade!
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Juiz de Fora
Sem condições
financeiras, logo após a falência, os irmãos Tide e Papai, juntamente com suas
famílias, o irmão Tonico que nunca quis se casar e a mãe, Dona Zica, decidiram
se mudar para Juiz de Fora, onde morava Odete com sua família.
Em uma periferia
da cidade, moravam em uma pequena casa, todos juntos: Tide com a mulher e
quatro filhas, Papai, Mamãe e os três filhos, vovó Zica e Tonico.
No quintal
armaram um barraco de zinco, onde consertavam sapatos e seguiam a vida.
Não foi fácil
conviver dessa forma, com tanta gente debaixo do mesmo teto.
As crianças
brincavam e brigavam e as mães acabavam tomando partido, o que dificultou ainda
mais a convivência entre eles.
As quatro primas
eram cheias de vontade e sempre queriam mandar nas brincadeiras.
Vó Zica ficava
sempre do lado das netas preferidas, e não se cansou de menosprezar minha
família.
Meu irmão Jorge,
era o único menino, em meio às seis meninas, e cada vez que montávamos o
ônibus, feito de caixotes, sempre tinha uma das primas para disputar com ele o
lugar de motorista, o que sempre causou uma confusão danada, sendo necessária a
intervenção da minha mãe para separar a briga.
Chegou o dia em
que as coisas pioraram. Uma tamanha briga entre as duas mães, obrigou meu pai a
sair daquela casa com a família. Vó
Zica era muito orgulhosa e não suportava aquela vida humilhante, descarregando
seu azedume em mamãe, de quem nunca gostou. Nunca se interessou nem mesmo pelos
netos!
Meu tio Tide e sua
família foram morar na cidade de Congonhas, onde havia parentes de sua mulher.
Foi lá que ele estabeleceu sua pequena oficina de consertos de sapatos.
Era um bom
artesão e começou ali sua fama de carnavalesco. Criava e confeccionava enormes bonecos
para o carnaval e sempre desfilava dentro de um deles.
Em toda a sua
vida futura, ele nunca mais saiu daquela cidade, onde as filhas cresceram e se
casaram e seus netos vieramao mundo.
Tio Tonico
faleceu ainda solteiro e jovem. Vó Zica foi morar com a filha Odete.
Tio João casou-se
e teve um único filho, Amadeu.
Logo veio morar
em Belo Horizonte, onde permaneceu até o fim de seus dias, seguindo a mesma
profissão de sempre, ou seja, sapateiro.
Tio Luiz foi para
o Rio de Janeiro, também se casou e teve filhos por lá.
Em outra
periferia de Juiz de Fora, meus pais foram morar em um porão, e acabaram
passando por muitas dificuldades, mas minha mãe se sentia feliz por ter a
liberdade de estar só com sua família.
Decidiu
empenhar-se numa luta enorme e se desdobrou para ajudar meu pai a manter os
filhos. Começou aí uma nova fase em
nossas vidas.
Minha mãe fazia
muitas quitandas, sonhos recheados, biscoitos e muitas delícias que aprendeu com
a vó Norata, enquanto meu pai vendia os produtos nos bares da vizinhança.
A freguesia
aumentava a cada dia, pois era tudo realmente muito saboroso e bem feito. Papai
saía de bicicleta, entregando tudo nas vizinhanças e no comércio.
Além disso, minha
mãe lavava roupas para fora e contribuía com enorme esforço para ajudar meu pai
nas despesas da casa.
Com tudo isso meus
pais seguiam felizes e com as crianças muito bem cuidadas.
Saíamos para
passear aos domingos, pelos parques e jardim Zoológico, onde brincávamos. Era só
alegria!
Lembro-me que,
quando voltávamos para casa, papai sempre parava na padaria do bairro, onde
faziam um pão doce em formato de jacaré, e comprava um jacarezinho para cada um
de nós. Ficávamos muito felizes com aquele seu gesto tão simples e carinhoso.
Lembro-me dos
vestidinhos iguais que eu minha irmã vestíamos, alguns com bordados feitos por
nossa mãe. Em particular, me vem à
memória um vestido de barrado com galinhas e pintinhos, que eu adorava vestir.
Enquanto minha
irmã mais velha chegava à idade escolar e iniciava seus estudos, Jorge e eu
crescíamos brincando satisfeitos.
Certo dia, Noratinha
e Graciana, filhas da Vovó Norata, apareceram lá no porão, simplesmente para saber
como estava a nossa vida lá em Juiz de Fora.
A velha mãe adotiva nunca se descuidou daquela
filha que veio do outro lado do mundo.
Após alguns dias
de total convívio, elas foram percebendo as dificuldades pelas quais a nossa
família estava passando e, mesmo contra a vontade de minha mãe, insistiram e
acabaram nos levando, Jorge e eu, para Itabirito, onde passamos uma temporada
com nossa avó.
Sem as duas
crianças em casa, mamãe conseguiu trabalhar melhor, apesar de sentir muita
saudade de nós.
A Casa da Vovó
A
casa de Vó Norata era sempre muito movimentada e os vizinhos pareciam uma
família só. Era um entra e sai o dia todo.
A
casa, feita de pau-a-pique, possuía um quintal que ocupava um quarteirão
inteiro, com muitas árvores frutíferas no quintal, uma horta, galinheiro e
alguns porquinhos para engordar.
Um
papagaio, que falava o nome das pessoas da casa, cantava e repetia tudo o que
ouvia.
Tinha
também um quarto de costura, onde as filhas Izaura e Maria costuravam sapatos
para a fábrica da cidade.
Em
um dos cantos da casa havia uma imensa cama, onde os netos gostavam de ficar
conversando.
Existia
ainda uma grande sala de jantar, com enormes cristaleiras abarrotadas de louças
finíssimas e cristais, que raramente eram usados.
Da
janela via-se a horta e os galhos do pé de jambo, e ao fundo, uma cerca toda de
bambu, muito comum em todas as casas da época.
De
vez em quando, alguém batia na porta pedindo para cortar um bambu para fazer
vara de pescar.
Na
cozinha de cimento, além da pia, havia uma mesa e um fogão a lenha, o qual
ficava aceso o dia todo, para aquecer a serpentina que levava a água quente até
o chuveiro, aquele chuveirão sempre quentinho.
Tinha
também uma bacia grandona, onde a gente sentava para tomar banho debaixo do
chuveiro.
Era
a madrinha Maria, que nós apelidamos carinhosamente de Guia, quem dava banho na
gente, quando pequenos. Esfregava a bucha, (daquelas colhidas no quintal) e
usava sabão feito em casa. Depois abria o chuveiro para enxaguar.
Lembro-me
ainda, do momento em que ela pegava uma ponta da toalha, torcia e fazia uma
espécie de cotonete para enxugar os nossos ouvidos.
Sábado
era o dia de todas lavarem a cabeça. Depois ficavam no sol, para secar os
cabelos.
Faziam
suas tranças, cada uma de um jeito sempre igual!
Natinha
passava tanto talco que ficava parecendo um palhaço e a gente ria dela, recebendo
em troca os seus xingamentos. Era muito divertido!
As
prateleiras ficavam na despensa, ao lado do banheiro, onde não faltava um saco
de açúcar para fazer os doces.
A
goiabada, depois de pronta, era colocada em caixeta com tampa parecida com aquela
dos velhos estojos de guardar lápis na escola, porém um pouco maior, onde ela ficava
armazenada o ano inteiro.
As compotas de laranja da terra, a marmelada,
o doce de figo, sem faltar o queijo para acompanhar, tudo isso era guardado nas
prateleiras da despensa para o ano todo.
Nunca faltou doce na casa da vovó.
Naquela
época, não havia geladeira e tudo era acomodado de forma peculiar para não
estragar.
Uma grande
panela de pedra, cheia de gordura de porco, acomodava as almôndegas que iam
sendo retiradas aos poucos para o consumo.
As
lingüiças de porco, as peles e algumas carnes, eram defumadas e permaneciam
penduradas no teto, acima do fogão.
Tia
Izaura pendurava ali as cascas de laranja que usava para acender o fogo, de
manhã. Dizia que não tinha nada melhor.
Um
corredor com piso de tijolos levava aos quartos. O primeiro era o da Guia,
junto com a Dinha Graciana, que foi minha madrinha.
Mais
ao fundo, o quarto da vovó e da Natinha, como chamávamos a tia Honorata, que
tinha o mesmo nome que ela.
Ali
tinha outra cama onde a gente dormia, quando éramos crianças.
Muitas
vezes, eu ia para o canto da cama da vovó, para ouvir as histórias que ela
contava.
Gostava
de ouvi-la dizer que o dinheiro era vintém.
Ela
dizia também, que muitas vezes saía pela noite a cavalo, para atender alguma
mulher que ia ter um bebê, não importava a hora.
Era
parteira, e quando alguém chamava, ela ia correndo colocar mais uma vida no
mundo.
Também
contava que, quando se casou, era ainda quase uma criança e ainda brincava de
bonecas, porém Seu Jorge, seu marido, sempre foi muito bom para ela.
Não
cheguei a conhecê-lo, nem tampouco a minha madrinha Elvira, uma de suas filhas
que faleceu quando eu ainda era bebê.
Mais
na frente da casa ficava o quarto do meu padrinho Dinho, apelido pelo qual o
chamávamos.
Logo
na entrada, ficava a sala à direita, e logo após, uma porta que ia para o
quarto da Tia Izaura, a única das filhas que havia se casado. Seu marido, o tio
Luiz, era irmão do Dinho. Não tiveram
filhos biológicos, mas adotaram a Darcy.
Casamento
de Darcy, conduzida por tio Luiz, à frente, eu de dama de honra, 1953.
Tio
Luiz era sapateiro e trabalhava numa oficina.
Ao
voltar para casa, à tarde, ele sempre entrava no velho bar, pois gostava de uma
bebida, o que deixava tia Izaura desesperada e pronta para mais uma briga.
Ele
nunca respondia, ficava calado e ia dormir cedo, sem incomodar ninguém,
deixando a mulher falando sozinha.
Tio
Luiz morreu de repente, deixando a viúva e a filha adotiva.
Ele
era um homem de poucas palavras, mas lembro-me de sua bondade e carinho.
O
Dinho, meu padrinho João Pombo, irmão do Tio Luiz, morava no quarto da frente
da casa.
No
quarto dele havia um rádio bem grande, onde todo mundo se concentrava para
ouvir a novela “O Direito de Nascer”. Trago na lembrança a imagem de todas elas,
enxugando as lágrimas com a ponta do avental, ouvindo o drama no rádio. Era uma
choradeira só, quando acabava a novela.
No quarto
tinha uma mesa, com uma imagem de São Jorge, e um fogãozinho de alumínio, com
as panelinhas em cima, coisas que eu não cansava de admirar. Na parede, havia uma coleção de flâmulas de todos
os tipos.
O
Dinho, que era metalúrgico, trabalhava na usina Esperança, e alguns anos depois
se tornou presidente do sindicato. Era Getulista convicto.
Com
ele aprendi as boas maneiras e a esmerada educação, que eu nunca mais esqueci.
Sempre
ia encontrar-me com ele, quando vinha do trabalho, e acabava de entrar em casa
carregada em sua bicicleta.
Depois
do banho, assentava à mesa ao seu lado para jantar. Meu prato, o garfinho e a faquinha, ficavam
ao lado dos dele e ele sempre me ensinou como me portar à mesa com educação.
Ele
gostava de contar que eu tinha apenas três anos de idade quando me levou para
passear em Ouro Preto.
Ao
chegar num armazém da cidade, daqueles muito comuns na época, onde se
encontrava um pouco de tudo, e onde os fregueses possuíam um caderno para
anotação de suas compras, observei que havia muitas panelinhas de pedra-sabão e
de ferro em cima de um fogãozinho de brinquedo, parecido com aquele que tinha
no quarto dele e que eu não me cansava de olhar e desejar.
Ao
lado do balcão, existiam alguns balaios com verduras e legumes, para serem
vendidos.
Ele
então me perguntou: “Sônia Maria (assim ele me chamava), diga o que você quer e
o Dinho compra para você!”
Acostumada
no quintal e na horta da vovó, eu ignorei todos aqueles brinquedos e apontei
para o balaio de jiló. Todos estranharam
uma menina daquela idade gostar de jiló, e ele contava isso para todo mundo com
o maior orgulho.
O
jiló era como uma fruta para nós, que éramos habituados a comer de tudo um
pouco. O jiló, usado nas nossas refeições, era colhido diretamente do pé.
Outra
coisa que era um verdadeiro mistério nessa época, era a tal Missa do Galo, no
Natal.
Eu
ouvia todo mundo dizer que ia à Missa do Galo e ficava curiosa para saber como
era, mas todos ficavam me iludindo com histórias. Até que um dia decidi, por mim
mesma, descobrir como era a tal missa.
Foi
difícil aguentar esperar a meia noite para ver o tal Galo na Missa!
Minhas
tias contaram que não dei sossego a elas na igreja, sempre perguntando pelo
galo que eu não conseguia ver em lugar nenhum.
Por
fim, voltei pra casa no colo de alguém, dormindo um sono profundo.
Quando
acordei, ainda estava chateada por não ter visto o galo da missa.
As velhas
ficavam rindo da minha inocência.
Era
como a história do Papai Noel, a gente se esforçava para não dormir, esperando
pelo “velhinho”, mas era impossível aguentar tanto tempo acordada!
Ficava
somente o sapatinho na janela, perto do presépio e a alegria dos presentes, no
dia seguinte.
E
por falar em presépio, era sempre muito divertido ajudar a tia Izaura na
montagem e colocação das peças.
A gente curtia ver os personagens tão desproporcionais
que faziam parte da decoração.
Por
exemplo: em pleno deserto cheio de areia branquinha, aparecia uma lagoa repleta
de patinhos, um jacaré, que era manso, e alguns bichos selvagens, como leão,
tigre, elefante e girafa. Ficavam todos
juntos.
O lago era feito com um pedaço de espelho,
areia em volta e alguns galhos de mato.
Um casal vestido de noivos também estava lá,
mas uma das coisas que chamava a nossa atenção era um menininho de cor negra,
chorando, sentado em um pinico, onde havia os seguintes dizeres: quero canjebrina,
que a tia Izaura traduziu como cachaça.
O
presépio era enorme, ocupava quase metade da sala e até chegar ao Menino Jesus,
São José e Nossa Senhora, na gruta, os olhos passeavam por muita coisa
divertida.
Havia também um macaco, que disputava a atenção
com a serpente e o anjo.
Tinha
até uma banda de música, onde os componentes tocavam de uniforme, em plena
areia do deserto.
O certo
é que a gente ficava horas e horas a imaginar coisas e situações naquele
presépio.
No
dia seguinte, no Natal, as crianças saíam para a rua ostentando seus brinquedos
que, naquela época não duravam tanto, pois eram feitos de louça ou papelão.
Ainda não existia plástico.
As
bonecas eram de papelão, por isso não podiam tomar banho.
E
quando tentávamos colocá-las na água, elas se desmanchavam. Era uma choradeira
geral!
Os
jogos de xícaras, com o bule e a bandeja, confeccionados em louça ou lata, no
formato de miniatura, encantavam qualquer olhar de menina, pois gostávamos de
brincar de casinha.
Dentre
os brinquedos que ganhávamos, além do ioiô, tinha também o bilboquê, que era
constituído de uma bola de madeira, com um orifício, presa por um cordel a um
bastão pontudo onde ela deveria se encaixar.
A manivela
para soltar pipa, também era um dos presentes que a gente gostava de ganhar,
além dos carrinhos de rolemã.
Na
cidade tinha um programa de auditório na rádio, no qual fui inscrita, e lá
cantei aos três anos de idade.
Todos
se orgulharam da minha apresentação, pois eu cantei direitinho o que me haviam
ensinado. Foi meu primeiro sucesso!
Lembro-me
bem, que eu não conseguia alcançar o microfone, por isso foi preciso que me colocassem
em cima de uma cadeira.
E eu
fiz bonito, como diziam as tias!
O Jairo, filho da Tia Nininha, que morava
perto de casa, foi quem me ensinou a cantar direitinho.
Tenho
várias recordações de nós dois, sentados no jardim, em frente de casa e ele me
ensinando a letra da música.
Muitas
pessoas se juntaram em volta do rádio para me ouvir cantar.
Outras
amiguinhas da vizinhança também foram se apresentar no programa, como a Edna,
filha mais velha de Dona Zélia.
As
filhas da vovó, sempre me consideravam o xodó de todos e, por azar, no momento
em que a Edna começou a cantar, o rádio da casa deu defeito e elas ficaram
dizendo que a culpa era dela.
Mais
tarde, aprendi a cozinhar no enorme fogão de lenha, onde era preciso colocar um
banquinho para que eu alcançasse as panelas.
Eu
me orgulhava de saber fazer uma sopa de legumes, que o Dinho saboreava com
prazer, não sem antes elogiar a cozinheira.
Do
lado de casa, moravam duas amiguinhas inseparáveis, com as quais mantive
contato a vida toda.
Uma
delas, a Maria José, para nós era Nem, assim como a minha irmã que tinha o
mesmo nome e acabou ganhando o apelido de Biseca, para o resto de sua vida.
Aliás, em minha terra, todo mundo tem apelido,
com exceção de meus padrinhos, que sempre me chamaram de Soninha.
Quando
Nem se casou e teve sua primeira filha, de nome Adriana, fui chamada para
batizá-la.
A
outra era a Edna, filha da comadre Zélia, que teve muitos filhos.
Eu
fui madrinha de batismo de sua filha Vaninha, quando eu ainda era criança e mal
sabia carregar um bebê no colo.
Nos
tempos de aula, éramos poucas crianças a brincar na vizinhança.
Porém,
ao chegar o período de férias, sempre apareciam outras crianças, cujos pais haviam
se mudado para a capital, mas ainda conservavam parentes e amigos na terra.
Elas traziam as novidades da cidade grande e chegavam
com muita vontade de brincar com a gente. O terreiro da casa da Nem era o preferido, por
ter mais espaço para as brincadeiras inocentes da época.
Naquela
época, usava-se a imaginação para brincar de finco, pular maré, jogar bolinhas
de gude, passar anel, jogar conversa fora.
Não
tínhamos nada além do rádio. Os brinquedos eram de louça, de lata ou papelão e
ainda não existia o plástico. Mas éramos muito felizes!
Em
todos os quintais havia árvores frutíferas e, de vez em quando, subíamos nos
pés para saborear algumas delas.
Na
casa da vovó, tinha enormes pés de jabuticaba, vinte e dois ao todo: laranjas,
jambo, jatobá, goiabas, cana docinha, bananeiras, ameixa, marmelo, cidra e até
um pé de maçã e um de limão doce.
E
pensar que a gente era obrigada a almoçar e jantar, senão tinha um bom purgante
para abrir apetite!
Aliás,
nem gosto de me lembrar dos purgantes. Era a parte ruim da infância!
Eles
estavam sempre lá, nos esperando, caso a gente sentisse algum mal estar.
Fora
isso, uma boa benzedura da vovó curava quase tudo, além das simpatias.
As
pessoas conhecidas traziam as crianças para benzer, e minha avó rezava com
muita fé, certa de acabar com os males que acometiam aquela criança.
As
mães saiam de lá satisfeitas e agradecidas.
As
doenças, como elas comentavam, quase não se via nos dicionários: espinhela
caída, vento virado, sapinho, dentre outros, cujos nomes achávamos cômicos,
porém não podíamos rir dos mesmos.
Nos
primeiros anos de vida, tivemos quase todas as doenças das quais, nos tempos
atuais, as vacinas conseguem prevenir. Por exemplo: Caxumba, catapora,
varicela, sarampo, sem contar com a asma que rondava minha vida e a do Jorge,
meu irmão. Às vezes, me levavam ao hospital para uma sessão de oxigênio.
Nas
madrugadas, quando a asma me atacava, era um momento em que todos se levantavam
da cama, e eu podia escolher o colo em que queria ficar.
Como
era muito manhosa, eu ficava chamando pelo meu padrinho, depois pela madrinha e
assim, de colo em colo, as horas iam passando. Quando não havia melhora, corriam
para o hospital que ficava pertinho de casa.
Quando
chegava a época das jabuticabas, a gente quase não descia do pé. Ficávamos lá
em cima, escolhendo as maiores e de casca fininha, até nos fartarmos.
Assim que alguém nos chamava para o almoço, ou
para tomar banho, a gente descia, fazia o que tinha que fazer, e depois
continuávamos a brincadeira.
A
segunda-feira era o dia de lavar a roupa.
Tinha um grande pilão que ficava num canto da coberta, bem junto à porta
da cozinha, porém nesse dia, ele era colocado no terreiro. Em cima dele, era
colocada uma bacia cheia de água morna e uma barra de sabão caseiro. Ficávamos
em volta dela, esfregando as roupas à mão, e depois as jogávamos no tanque.
A
Guia ia torcendo as roupas e colocando-as no varal ou quarador, uma moita de
bambu. Era o modo de alvejar a roupa.
A gente
ria das peças no varal, todas feitas em casa mesmo, de pano de saco alvejado.
Aquelas
calçolas, algumas parecendo ceroulas, os sutiãs muito engraçados,
principalmente os que a Guia usava, que tinham apenas uma tira de pano, com
duas preguinhas na frente, uma vez que ela era totalmente desprovida de seios.
As combinações
usadas debaixo dos vestidos eram uma graça, mas não podíamos comentar, caso
contrário, a vara de marmelo andava solta.
Guia
e Natinha usavam calcinhas tipo uma bermuda de saco alvejado, com barbante na
cintura. A gente se escondia para rir.
As
roupas eram passadas com ferro de brasa. De um lado ficava a Guia, e do outro a
Natinha. De vez em quando elas voltavam ao fogão, para reabastecer o ferro com
novas brasas, assopravam por um orifício e o ferro esquentava.
Muitos
anos mais tarde, elas ganharam um ferro elétrico de presente, o que melhorou
bastante o trabalho delas.
O
ferro elétrico, longe dos automáticos de hoje, tinha uma tomada na parte de
trás, que era retirada do ferro, quando ele estava muito quente, e depois
recolocada, assim que o mesmo esfriasse.
O fio ficava dependurado num benjamim na boquilha da lâmpada.
Lembro-me
do dia em que cheguei correndo, para dar um recado da vizinha para a Guia e, de
tão ansiosa, nem percebi que havia encostado o dedinho no fio do ferro. Foi um
choque enorme e fui parar longe! Com isso, o recado nem foi dado, pois todo
mundo chegou para me acudir. Felizmente foi só um susto.
A
sala de jantar ficava cheia de roupas para passar, pois era a roupa da semana
toda, da casa e das pessoas. As tias
iam passando, dobrando e colocando nas cadeiras.
Certo
dia, rimos muito da Guia. Ela era uma pessoa simples, e de vez em quando falava
alguma coisa engraçada, sem perceber. Tinha acabado de chegar uma visita,
quando elas passavam a roupa, o vizinho Fortunato, conhecido pelo apelido de
Farofa. Assim que ele entrou na sala,
Guia foi logo dizendo:
“Compadre
farofa, tira a roupa e senta!” – ela estava se referindo às roupas que estavam
na cadeira, porém todo mundo começou a rir e Farofa, se aproveitando da
situação, foi logo querendo saber da minha avó, que negócio era aquele de ter
que tirar a roupa pra sentar. Esse
episódio, tão engraçado, foi comentado durante muito tempo.
Uma
das coisas que ficaram guardadas na memória eram os colchões da casa da
vovó. Eram daqueles colchões cheios de
palha de milho!
Sempre
pela manhã, ao acordar, a gente gostava de enfiar a mão numa abertura que havia
na parte de cima do colchão e chacoalhar as palhas, para que ele se levantasse
e ficasse bem alto. Era uma brincadeira que nós, crianças, achávamos muita graça
em fazer. E era gostoso deitar naquele colchão. Ninguém reclamava de dor na
coluna, problema que os ortopédicos de hoje ainda não conseguiram resolver
totalmente.
O
chão era quase todo de tijolos, somente a sala e dois quartos eram de
tábua.
Quando
ficamos mocinhas, eu e Biseca gostávamos de encerar a casa, o que nos dava um
trabalhão, já que não existiam enceradeiras naquele tempo.
O
velho escovão pesado fazia brilhar aqueles tijolos!
Quando
começaram os namoros, nos esforçávamos mais ainda para mostrar o que sabíamos
fazer.
No
dia de assar quitandas, no forno tipo cupim, que ficava no quintal, a gente
ajudava a fazer os biscoitos de polvilho, as rosquinhas, as broinhas de fubá e
os pães, sempre em volta da mesa na sala de jantar.
À
tarde, íamos levar um pouquinho de cada guloseima, para as comadres da
vizinhança.
Por
sua vez, elas também retribuíam, trazendo suas quitandas. Era uma fartura que nunca acabava. Existia
uma amizade entre os vizinhos que hoje não se vê mais.
O
cuscuz, recheado com queijo, era disputado no café da tarde.
E
por falar em café, era um produto colhido no quintal, torrado e moído para
depois ser coado naquele velho coador de pano.
Eu sempre
gostei do café bem forte, e sabendo disso, a Tia Izaura sempre tirava um
pouquinho para mim, quando começava a passar o café, numa canequinha
esmaltada. Quando eu não estava por
perto, ela colocava a canequinha na chapa do fogão, para eu tomar depois. Se esfriasse, ela jogava um pouquinho de água
na chapa e aquecia o café na canequinha mesmo. São pequenos detalhes que nunca esqueci.
No dia
de matar o porco, a vizinhança toda aparecia para ajudar, e ao chegar a tarde,
já estava tudo pronto: as linguiças, chouriços e torresmos.
Na
saída, cada um levava sua porção, o que acontecia nas outras casas também. Tudo
era festa, e na maior harmonia e amizade.
As
frutas no quintal tinham a mesma história.
Natinha, a mais atirada, era quem subia nos pés de jabuticaba, enchia o
embornal, e levava para as comadres da vizinhança. Havia uma troca de
gentilezas. Embora existissem jabuticabas em todos os quintais vizinhos era
costume essa retribuição.
A
horta abastecia a cozinha. Nunca faltava couve com angu, taioba, ora pro nóbis
e outras verduras, que a gente ia conhecendo e aprendendo a gostar, como o
jiló, por exemplo.
Existiam
ainda os chás, utilizados no tratamento de várias doenças, tais como: resfriado,
dor de barriga, dor de cabeça ou quaisquer outros sintomas.
Um bom chá de erva cidreira, de funcho, boldo,
lozna e uma infinidade de outras plantas, eram sempre melhor que qualquer
remédio de farmácia.
Aliás, quase não se falava em remédio de
farmácia, a não ser o Calcigenol, que meus pais traziam de vez em quando, e o
óleo de fígado de bacalhau que era despejado na boca contra nossa vontade. Ficou na memória aquele gosto horrível que
sentimos até hoje.
Alguns
medicamentos da homeopatia também já eram conhecidos e usados, como a Beladona,
cujo nome eu sempre achei bonito, motivo pelo qual eu tomava sem reclamar.
Durante
o mês de maio, era festa na igreja o tempo todo, e as meninas vestiam-se de
anjo para coroar Nossa Senhora e acompanhar a procissão.
Eu participei
da coroação até os meus 12 anos, e embora ainda muito pequena, ficava orgulhosa
de poder prestar essa homenagem a Nossa Senhora.
À
noitinha, era a hora de fazer amêndoas no tacho. Quatro telhas curvas eram
colocadas sobrepostas no chão, duas de cada lado, e dois montinhos de brasas
acesas entre elas. O tacho, cheio de coco picadinho ou amendoim, era colocado
por cima, e as tias assentadas em banquinhos bem baixinhos, iam tombando o
tacho de um lado para o outro, enquanto regavam o conteúdo com uma calda quente
que ficava no fogareiro ao lado.
Ali
iam se formando deliciosas amêndoas, que depois eram colocadas em saquinhos de
papel, e em seguida levadas para as barraquinhas da igreja. Um tacho de amêndoas levava dias para ficar
pronto!
A
bala delícia e os pirulitos eram outras iguarias que não podiam faltar. O bom
bocado de coco, os cajuzinhos e outra infinidade de docinhos, os pastéis de
angu recheados com umbigo de banana, nem se fala... A gente ali, aprendendo a
fazer as coisas e comendo tudo que pudesse.
O Jorge
Apesar de todos
os cuidados e atenção que nós tínhamos na casa da vovó, certo dia, Jorge meu
irmão, foi acometido por uma forte dor de barriga e os primeiros cuidados,
naquela época, consistiam em aplicar um bom purgante. Disso eu não tenho
saudades!
Não sei por qual
motivo tínhamos que tomar o famoso óleo de fígado de bacalhau. Ainda bem que tinha o Calcigenol, e se
deixassem a gente tomava o vidro todo.
Todo mundo pensou
que a dor havia sido causada por ovos que a galinha estava chocando.
Tínhamos a mania
de comer os ovos quentinhos, assim que as galinhas acabavam de botar. Tão logo
ouvíamos o cocorocó, a gente corria para pegar os ovos.
Naquele dia,
porém, o mal estar que o Jorge sentiu foi só piorando. Como a dor não passava,
minhas tias foram obrigadas a levarem-no ao hospital, que era pertinho da casa
da vovó. Ele precisou ser operado às pressas.
Um apêndice supurado acabou complicando o seu estado de saúde e a
presença dos pais tornou-se inevitável.
Meus pais
juntaram as poucas coisas que tinham e voltaram para Itabirito, a fim de cuidar
do meu irmão Jorge.
Uma casinha foi
arrumada e lá se estabeleceram de novamente.
Meu pai foi
trabalhar com um amigo, que era proprietário de uma reformadora de calçados e,
com muita ajuda da vovó Norata, aos poucos foi se reerguendo.
Jorge contava
seis anos, quando foi surpreendido por aquele apêndice e permaneceu prostrado,
se recuperando muito lentamente. Porém, por ironia do destino, surgiu um tumor
nas suas costas que, segundo os médicos, talvez o levasse a outra
cirurgia.
Cercado de todos
os cuidados, com aquelas tias rezando ao redor da cama, as promessas feitas ao
Bom Jesus, como a de carregar Jorge nas costas pelo morro acima até a pequena
igrejinha, no ponto mais alto da cidade, enfim, meu irmão acabou se recuperando,
e nem precisou ser operado de novo.
Algum tempo
depois, lá se foram os familiares cumprirem a tal promessa, fazendo o enorme
sacrifício de carregar Jorge, no colo, e subirem ladeira acima.
O menino, após
ter sido tão bem cuidado, estava gordinho e bem pesado.
Foram algumas
horas de longa subida, com um tempo para rezar o terço e a descida de volta pra
casa, com Jorge tirando proveito de tantos colos para lhe carregar.
Papai seguiu trabalhando
com o amigo José Bento, companheiro de longos tempos, em sua oficina de
conserto de sapatos.
José Bento casou-se
e foi morar em Ponte Nova, cidade onde residia a família de sua noiva.
Lá estabelecido, ele
convidou papai para acompanhá-lo e montarem juntos uma nova oficina na cidade.
Aventureiro,
papai aceitou o convite de José Bento e partiu com sua família para a vida
nova.
PONTE NOVA
Estabelecidos
modestamente, fomos todos para a nova cidade. Papai trabalhava fabricando
calçados, enquanto mamãe costurava na parte da noite.
Durante o dia,
ela lavava e passava roupa da vizinhança, para ajudar nas despesas da casa.
Mamãe sabia
cozinhar muito bem, e logo decidiu montar uma pensão, para comerciários que
trabalhavam perto da nossa casa. Todos elogiavam muito a sua comida!
Algum tempo
depois, papai adoeceu com forte dor de estômago. Foi diagnosticado, pelo
médico, como sendo uma úlcera. Teria que ser operado, porém, naquele momento, não tínhamos
condições financeiras para arcar com as despesas de hospital.
Meu pai passou
por um longo período de sofrimento. Prostrado, permaneceu em cima de uma cama
durante anos, enquanto mamãe trabalhava para manter a família.
Foi então, que
ela resolveu procurar o Dr. Cottinha, suplicando-lhe que operasse papai, pois
ela trabalharia e pagaria a cirurgia.
O médico atendeu ao
seu pedido. Papai foi internado, operado e passou um bom tempo em recuperação, recebendo
atenção e carinho de toda a família. Nada lhe faltou, até que se restabeleceu de
vez.
Minha mãe
enfrentou tudo sozinha, trabalhando e criando os filhos, até que papai ficasse
bom de novo.
Nós começamos a freqüentar
a escola, e a vida foi melhorando. Papai arranjou trabalho no cinema da cidade,
na função de bilheteiro e a pensão estava indo muito bem.
Foi então que
surgiu uma oportunidade para a família.
O HOTEL
ITÁLIA-BRASIL
Havia um hotel
sendo arrendado em Ponte Nova e logo mamãe se entusiasmou com a notícia.
Papai foi
conversar com o dono e, depois de tudo acertado, os dois se mudaram para o
velho hotel.
Com muito esforço
e bastante dedicação, transformaram aquele prédio no Hotel Itália Brasil, cuja fama
logo se espalhou pela cidade.
Como o hotel
ficava próximo às estações ferroviária e rodoviária, havia um carregador de
malas que ficava por lá, o dia inteiro, fazendo a propaganda e conduzindo os
viajantes, que acabaram se tornando seus clientes constantes.
Minha mãe ficou
famosa pelos seus dotes culinários, e logo a cidade toda ficou sabendo de suas
habilidades na cozinha.
O Clube
Pontenovense, da alta sociedade, promoveu grandes banquetes, e ela sempre foi chamada
para colaborar no preparo da gastronomia.
O Hotel ficava à
beira do rio Piranga, que cortava a cidade de Ponte Nova.
Um grande refeitório tinha a vista para a
cidade e o rio passava logo abaixo.
Do outro lado do cais, avistava-se o Hotel
Ponte Nova e, logo em seguida, dava pra ver os hotéis Glória e Simeão.
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ITABIRA
Nossa vida foi
sempre marcada por mudanças.
Meu pai sempre
foi muito aventureiro, e carregava a família para onde achasse que iria dar
certo.
Pouco tempo se
passou e meus pais fixaram residência em Itabira.
Papai arrumou emprego,
e Jorge, já rapaz feito, também se organizou por lá.
Eu fui visitá-los
algumas vezes.
Minha mãe então, me
chamou para ir morar com eles, novamente.
Apesar da minha tentativa de explicar que eu
estava bem, me esforçando para vencer aquela etapa da vida, de nada adiantou!
Ela dizia que eu
era menor de idade e que deveria ficar em casa dos pais.
Tentei o
argumento de que eu estava estudando, e que precisaria chegar pelo menos até ao
final do ano. Depois, então, poderia me transferir para onde eles estavam.
Mas foi tanto
falatório, que eu acabei deixando tudo pra trás e voltei a viver com eles em
Itabira.
Fiquei muito
contrariada e parecia que o mundo tinha acabado pra mim.
Tranquei-me num
quarto, desolada, e não tinha vontade de chegar nem na porta de casa.
Mamãe queria me
apresentar para os vizinhos, mas eu não aparecia.
Um mês depois
decidi sair do confinamento e fui procurar um emprego.
Apareceu um
escritório de contabilidade, onde eles acabaram me contratando.
Seu Barão, o dono
do escritório, era um senhor de idade, simpático e muito amável. Nos demos
muito bem!
Embora tivesse lá
seus quase setenta anos, com muitos filhos e netos, ainda trabalhava com
disposição.
Contava meus dezesseis
anos, quando minha vida começou a existir naquela cidade desconhecida. No
princípio eu não gostava muito, mas como eu já tinha conseguido um emprego foi
mais fácil me adaptar.
Eu, sem muitos
planos ainda, me dedicava à música e, além de trabalhar no escritório, dava
aulas de acordeon pela cidade.
Minha fama logo
foi se espalhando, e apareceram tantos alunos que recebí uma oferta de um
grande espaço para montar a escola de música, que era um salão da Cia Vale do
Rio Doce.
Os velhos músicos
da cidade me procuravam para conversar sobre música e me ouvirem tocar o acordeom,
que sempre era acompanhado de um saxofone, um violino ou um bandolim.
Apesar de muito
nova ainda, aqueles senhores de sessenta e setenta anos, falavam a mesma
linguagem musical que eu, e por isso os assuntos eram intermináveis.
O padre da
paróquia próxima lá de casa, queria que eu formasse um coral para a
igreja. Pronto, agora eu já tinha o que
fazer da vida.
Mas quis o
destino que tudo fosse diferente e, em pouco tempo eu conhecí o Nilo,
empresário da cidade, que se encantou por mim.
Quando ele
apareceu lá no escritório do Seu Barão pela primeira vez, depois que eu comecei
a trabalhar lá, confesso que nem notei muito a sua presença.
O senhor Barão
havia me explicado que fazia a escrita da firma do Nilo, e por esse motivo, ele
aparecia lá de vez em quando, para saber de algum detalhe.
Depois de me ver
por lá, então, passou a frequentar ainda mais o local e, quando saía, meu chefe
comentava sobre o interesse dele por mim.
O Namoro
Foram seis meses,
entre namoro, noivado e casamento.
E aí
eu me casei!
No primeiro mes
de namoro, junto com as alianças, ele me deu um belo acordeom de presente e me
conquistou.
A vida já tinha me
reservado tantas mágoas nos últimos tempos, que eu nem sabia mais distinguir
qualquer sentimento, que não fosse relacionado à música.
Meus pais foram
contra aquele namoro desde o princípio, pois além da diferença de idade entre
nós, uma vez que ele tinha vinte anos a mais que eu, Nilo era alcólatra. Eu
achava que um dia ele pudesse se curar.
Confesso que eu
tinha um gênio difícil, principalmente no relacionamento com minha mãe, pois
pensava que ela não gostava de mim e por isso me tratava mal. Enfim, não nos
dávamos muito bem nesse tempo e eu só pensava em poder sair de casa algum dia.
Nilo era um
representante comercial, de modos não tão finos como imaginei, e eu que era
sonhadora e voltada para a música, nada sabia da realidade da vida. Não
conseguia imaginar o que estava por vir.
Nilo morava
sozinho em seu apartamento, que ficava em cima do depósito de bebidas, onde
funcionava o seu comércio.
Os parentes
vinham sempre lhe visitar, a mãe e os irmãos.
Era muito
conhecido na cidade, tinha fama de rico e muitos companheiros de boteco, de caçadas,
pescaria e cachaça, que era o que ele gostava.
Ouviam-se comentários
na cidade, de que ele tinha mulher por conta lá na zona boêmia, mas que o seu
comportamento havia mudado, depois que ele me conheceu.
Quando chegava ao
portão de casa, e eu saia para conversar com ele, muitas vezes estava
embriagado, mas dizia que ia parar de beber.
Levou-me certo
dia para conhecer sua mãe, D. Lulu. Ao me apresentar a ela, me olhou de cima em
baixo, me deixando desconcertada.
Disse-me, olhando
nos olhos: “voce sabe o que está fazendo? Nilo só me deu contrariedade até
agora. Gostaria que ele se casasse, seja com voce ou qualquer outra, para ver
se conserta, mas voce é muito nova ainda”...
Eu lhe respondí
que, com bons modos, talvez ele mudasse.
Ela sorriu!
A minha história
quase se repetiu, tal qual a de meus pais.
Após seis meses
de casada, Nilo perdeu quase tudo que tinha, restando apenas umas terras de
pequeno sítio e o apartamento onde morávamos.
Grávida do
primeiro filho, fomos morar numa casinha do sítio, local afastado da cidade e
alugamos o apartamento, para a nossa sobrevivência.
Restou uma loja,
que também alugamos e um pequeno barracão nos fundos, que preservamos caso a
gente precisasse ficar na cidade.
No sítio tinha um
velho galinheiro, com umas cinquenta galinhas soltas, e um chiqueiro com alguns
porcos também, mais ou menos vinte animais.
Foi aí que
resolví vender tudo, mas de uma forma diferente, que ainda não se ouvia falar naquela
época.
Quando digo que eu
resolví, é porque o Nilo não era disposto ao trabalho.
Era acostumado a
não fazer nada, só bater papo com os amigos e sair para as noitadas fora de casa.
Isso continuou mesmo depois de casado, quando ele deixava uma jovem esposa
dedicada e trabalhadeira em casa, grávida do primeiro filhinho, pelo qual ele nunca
manifestou qualquer sentimento de afeto.
Diante da
situação em que a gente se encontrava, também não tomava iniciativa de nada,
deixando tudo por minha conta.
Foi assim que fui
aprendendo a administrar a vida, quando completei 18 anos.
Quando fomos
morar na casinha do sítio, não tínhamos conforto nenhum. Ainda não havia luz e
nem água canalizada, o que fomos colocando aos poucos.
No meio do mato, era comum ver cobras e
aranhas enormes dentro da casa. Fui me
acostumando.
Naquele barracão
da cidade, fui mandando trazer as galinhas.
Mandava matar,
pois não tinha coragem para fazer isso. Limpava tudo direitinho!
Enquanto isso,
Nilo ia ao telefone ligar para os amigos dizendo: “A Sonia está vendendo a galinha já abatida e
limpinha, se voces quiserem...” e assim
começou minha fama com as galinhas abatidas, que tanto facilitaram a vida das
donas de casa.
Os porcos viraram
linguiça. Comprei um velho canhão de
encher linguiça, no açougue perto de casa, e me tornei fabricante do produto.
O trabalho era
árduo, a freguesia aumentava e as galinhas e os porcos já estavam
acabando.
Então eu disse ao
Nilo que eu iria comprar frangos para vender, não queria parar por ali.
Passava muitas
noites em casa, sozinha, sem saber por onde andava o Nilo, que chegava de
madrugada e completamente embriagado.
Aprendí a dirigir
e muitas vezes saí procurando por ele, nos bares, até o encontrar.
Voltávamos para
casa, com ele vociferando em cima de mim.
Certa vez me deu
um empurrão diante dos amigos dele e, no tombo me machuquei e quase perdí o
bebê. Ao médico, ele disse que eu tinha
caído na escada.
Outras vezes, eu
estava em casa dormindo, cansada, depois de um dia de muito trabalho, quando
ele aparecia acompanhado de alguma “senhorita” de não sei onde e me apresentava.
Dizia que estavam no bar e que ela o acompanhou para me conhecer.
No instante em
que ele pedia licença para ir ao banheiro, eu a convidava a sair de minha casa,
de fininho. Quando ele voltava e perguntava por ela, eu respondia que ela não
quis esperar por ele.
Nossa vida íntima
era um desastre, pois o Nilo acostumado a fazer o que quisesse na zona boêmia,
com todas as mulheres, não via diferença nenhuma entre nós. Se eu me recusasse,
ele dizia que iria procurar quem fizesse melhor, e saía de casa. Outras vezes, me agarrava à força e não
adiantava as lágrimas. Era violentada do jeito que ele entendesse.
Numa noite, Nilo
estava numa ressaca do dia anterior e não conseguiu sair de casa.
Foi a primeira
noite em que ele se deitou mais cedo, para dormir, desde o nosso casamento.
Lá pelas tantas
da madrugada eu comecei a me sentir muito mal.
Não sabia o que
se passava comigo e nem imaginava que estava chegando a hora de ter meu
bebê.
Nilo não me
deixava ir ao médico, e toda a gestação daquela criança foi do jeito que a
natureza quis, ou seja, eu nunca soube quando começou e nem quando iria acabar.
Naquela madrugada,
chamei Nilo para socorrer-me, pois sentia muito líquido escorrendo pelas minhas
pernas e muita dor, e eu não sabia explicar o que se tratava.
Muito a
contragosto, ele me colocou num velho caminhão que tínhamos e se dirigiu
bruscamente até o hospital.
Chegando lá, me
levaram correndo para uma sala, onde pouco tempo depois nasceu o meu filhinho.
Meu encantamento
diante daquele filho superou tudo o que eu tinha passado até aquele momento.
Nilo já havia
chamado meus pais, que vieram logo recepcionar mais um neto.
O pai, que ainda
não tinha visto o bebê, só perguntou no corredor, à enfermeira que saía do
quarto: “ O menino é perfeito?”...
Na família dele
havia alguns sobrinhos portadores de problemas genéticos, e ele temia ter um
filho assim.
De volta pra
casa, agradecí muito a Deus pela ressaca do Nilo naquela noite, pois se ele não
estivesse em casa eu não sei o que me aconteceria.
Agora, eu cuidava
do meu filhinho, da casa e das vendas dos frangos que ia progredindo devagar.
Ana Paula Nilinho
Eu nunca disse
nada aos meus pais sobre o que acontecia em minha casa.
Sempre deixei que
eles pensassem que eu estava bem, e feliz em minha nova vida.
Também não sei se
eles entenderiam e me apoiariam em alguma coisa.
Nilinho tinha
apenas um ano de idade, quando eu estava para ter outro filho.
Como sempre, não
sabia quando ia nascer, pois não havia consulta médica.
Morávamos ainda
naquele sítio, quando D. Lulu, minha sogra, apareceu por lá para uma visita.
Vendo-me naquele
estado, se preocupou com a falta de assistência durante o parto, já que a
criança poderia nascer a qualquer momento.
Ela e o filho quase me obrigaram a ir para a
cidade onde morava, alegando que me levaria aos médicos de sua confiança e eu
estaria bem.
Seria necessário que eu deixasse o Nilinho com
minha mãe, e assim que o bebê nascesse ela me traria de volta pra casa. Seria por poucos dias.
Fui com ela para
Coronel Fabriciano e mamãe ficou com Nilinho, até que eu voltei pra casa.
Permanecí por lá por
quase trinta dias, até que o Marquinho nasceu.
Liguei para o
Nilo ir me buscar, mas ele preferiu esperar que alguém me trouxesse.
Fiquei sabendo através
de uma cunhada, de que ele suspeitou da paternidade do filho. Andou espalhando pra
família toda.
Era assim, ele tinha a mania de me defamar com
os amigos e eu fazia de conta que não sabia de nada.
Felizmente, meus
filhos todos se pareciam com ele.
Quando alguém me
levou de volta pra casa, encontrei com ele logo na entrada.
Ele nem se
entusiasmou com aquele filhinho que estava em meus braços!
Aproximei-me,
abri um pouco o manto que o envolvia o bebê, destampei aquele rostinho e disse
pra ele: “Deus é tão bom, que para provar que esta criança é sangue do seu
sangue, não precisava parecer tanto com voce”.
No sítio o
progresso chegou rapidamente. Galpões foram construídos, para abrigar a criação
de frangos, o gado leiteiro, dois lagos com muito peixe, e uma pocilga para criação de porcos.
A casa foi
ampliada, e eu administrava aquilo tudo.
O abatedouro na cidade era um luxo e todo mundo só comia frango abatido
quase que na hora.
Ana Paula
Papai e meus filhos
As crianças
brincavam e Nilinho gostava de pescar na lagoa em frente da casa. Marquinho estava começando a dar os primeiros
passos.
Nilinho pescando
Mamãe e papai
muito me ajudaram, e participaram do nosso progresso.
Assim que as
coisas começaram a melhorar para mim, pensei em dar a eles um pouco de conforto,
e fui colocando na casa deles o que eu achava que estava faltando. Papai foi trabalhar no abatedouro, e quando
ia ao sítio, era a alegria dos netos.
Marquinhos, com um
ano e tres meses, começou a regredir nos movimentos.
Chorava muito, e
eu pensei em levá-lo ao médico, mas o pai não deixou.
Passado um mes ou
mais, ele foi só piorando, e aí resolví enfrentá-lo e procurei um pediatra.
Meu coração de
mãe me dizia que ele tinha qualquer problema sério.
O médico me pediu
que o levasse a um especialista em Belo Horizonte e lá ficou constatado que ele
estava quase cego, tinha um entupimento numa veia que levava o líquido do
cérebro até a coluna.
Desse dia, até
sua morte tão prematura, foram seis meses de muito sofrimento no hospital.
Ele foi
paralisando aos pouquinhos, até ser alimentado, nos últimos dias, por uma sonda
no nariz.
E Deus levou meu
anjinho!
Foi um tempo de
muito silêncio em minha vida. Eu não conseguia entender porque tinha acontecido tudo aquilo, porque
eu não queria perdoar, porém Nilinho estava alí me acariciando, me fazendo
sentir viva.
A vida foi
seguindo com muito trabalho, e agora, Nilo recebia os amigos no sítio, ia para
a beira da lagoa pescar com eles e só tarde da noite é que voltavam pra
casa.
Quando entravam,
já tinham bebido bastante e Nilo me pedia para fazer os peixinhos que eles
pescavam.
Muitas vezes, eu
me levantava da cama pra limpar os peixes e fritar.
Nunca pude ter
uma empregada, pois Nilo não permitia.
Enquanto o
pessoal continuava a beber, ele ia contando aos amigos sobre a nossa vida,
falando muito mal de mim e da minha família.
Acostumou a dizer
que se casou comigo por pena, porque minha família não valia nada e nem tinha
onde cair morta.
Era o assunto
preferido dele. Eu ouvia tudo calada, nunca disse uma palavra. Os amigos também só escutavam.
De vez em quando,
alguém pedia para ele parar com aquilo, pois eu era uma mulher trabalhadeira e não
merecia ouvir isso, mas ele insistia.
Muitas vezes eu
chorei por causa disso, pelo meu Marquinho que me abandonara alí, e pelo meu
Nilinho que crescia vendo aquela vida.
Uma noite, eu me
recusei a fritar os peixinhos para eles, e então ele foi até o nosso quarto e
me disse que alí tinha gerente de banco, gente importante, e que eu precisava ser
gentil com eles. Eu entendí.
Um tempo depois,
eu percebi que estava grávida de novo, mas dois meses depois perdi a
criança.
Assim aconteceram
mais tres vezes e eu estava arrasada por dentro.
Foi então que
Nilo me levou ao médico e pediu que ele me receitasse um remédio pra eu nunca
mais ter filhos, pois ele também não queria mais.
Mas, antes que eu
começasse a agir contra a natureza, engravidei de novo e desta vez vingou.
Novamente sem ir
ao médico, fui engordando aquele bebezinho dentro de mim e, aos poucos, me tornei
alegre outra vez, apesar da rotina.
Eu ficava
imaginando quando o meu bebê iria nascer, pois não sabia a data certa.
De novo, Dona
Lulu apareceu e levou-me para ter a criança lá na sua cidade.
Tudo programado. Fui
levada para o hospital, diretamente para a sala de partos.
Quando o médico
percebeu que a criança estava atravessada, e não poderia nascer de parto normal,
correram comigo para outra sala e foi necessário fazer uma cesariana.
Nasceu Ana Paula,
e eu nem cheguei a vê-la direitinho. Já começava um novo sofrimento.
Dores terríveis,
injeções de morfina para aliviar... e o quadro só se agravava!
Outros médicos
foram chamados para dar opinião, mas a notícia não era das melhores. Achavam
que eu não escaparia dessa!
Os amigos do Nilo chegaram a dizer que ele
estava perdendo o seu braço direito, a sua grande companheira.
Os médicos falaram
que eu teria que fazer uma nova cirurgia, imediatamente, e que talvez eu não
resistisse.
Com a autorização
da família do Nilo, eu fui para a nova cirurgia, no terceiro dia de vida da Ana
Paula. Foram 12 dias de coma total.
Não sei o que aconteceu,
mas alguma coisa ficou esquecida dentro de mim, durante a cesária, e entrou em
estado de necrose. Foi preciso outra intervenção para retirá-la.
Eu estava com 25
anos de idade,quando deixei o hospital com minha filhinha nos braços, e um
atestado médico relatando o acontecido.
Ouvi o médico
dizer que nunca tinha visto tanta vontade de viver, numa pessoa, e que foi isso
que me salvou.
Eu respondi que
não deixaria minha filhinha no mundo sem a mãe.
Ele me disse,
naquele momento, que eu nunca mais poderia ter filhos, depois daquela cirurgia.
Fiquei muito abalada,
mas pensei em Deus. Só Ele sabia o que estava certo para mim.
Voltei para a
casa. É claro que Nilo não foi me buscar
também dessa vez, mas alguém se incumbiu dessa tarefa.
A vida foi ficando
quase que insuportável ao lado do Nilo.
Além de continuar
aquelas conversas com os amigos, cada dia falando coisas piores a meu respeito,
insultando a mim e à minha família, que nem sonhava que isso acontecia, Nilo continuava
me forçando a fazer coisas que eu nunca queria, mas era brutalmente forçada.
Muitas vezes,
enquanto eu dormia, depois de um dia de muita luta, ele chegava cheirando à
bebida, me acordava e jogava água para que eu me despertasse. Em seguida, pegava
sua espingarda e colocava na minha testa, dizendo que ia me matar, pois eu não
valia nada.
Outras vezes, ele
dormia com um revólver debaixo do travesseiro, e cismava que eu queria matá-lo.
Eu não podia
arranjar uma empregada, senão ele andava sem roupas dentro de casa, só para a
moça ir embora.
Comecei a pensar
em separação, mas para onde ir com dois filhos pequenos?
Então resolvi
conversar com meus pais, para ver se eles me aceitavam de volta, junto com meus
filhos, mas mamãe foi taxativa em dizer que eu não seria bem bem-vinda naquela
casa.
Lutei por uma
separação legal, afinal eu tinha construído quase todo aquele patrimônio que lá
estava. Seria justo que dividíssemos os bens, já que eu ficaria com os filhos.
Na época, tinha uma produção de aves de corte
que girava em torno de 60.000 cabeças, mais 6.000 poedeiras em gaiolas, gado
puro Holandes e uma pocilga para mil porcos matrizes. Tinha ainda um abatedouro
semiautomático, bem avançado para aquela época e uma frota com cinco veículos:
Um caminhãozinho 608 D, Mercedez bens, uma kombi, uma caminhonete C 14/
Chevrolet, um automóvel Aufa Romeo novo e um Impala.
Como sempre o
Nilo pegava a espingarda, a encostava na minha testa, e afirmava que a minha
parte nos bens eu levaria pra debaixo da terra.
Deixei passar o
tempo, para pensar melhor.
Como eu não
poderia ter mais filhos, consegui convencê-lo a passar os bens em nome dos
nossos dois filhos. Num tempo de calmaria, ele concordou e assim foi feito.
Já mais
tranquila, pensei um dia, meditando longamente, que eu ainda era muito jovem
para terminar assim.
Se ficasse ao
lado dele talvez não visse meus filhos crescerem, então fizemos um acordo e o desquite
foi feito do jeito que ele pensou.
Nilo contratou um
advogado, e ficou determinado, que o usufruto dos bens ficaria com ele,
enquanto vivesse. Depois passaria para o nome dos filhos.
Concordei com a
decisão, e saí daquela casa, levando meus filhos e deixando tudo para trás.
Ficou
estabelecido, que ele teria que pagar uma pensão para mim e outra para os
filhos, porém, com o passar dos anos, ele foi se esquecendo de cumprir esse
acordo.
Inicialmente,
aluguei uma casinha perto da residência da minha família, para me sentir protegida, mas logo depois, amigos
me arrumaram emprego em
Belo Horizonte, e eu fui tentar uma vida nova.
Deixei as
crianças com minha mãe, no período de experiência do meu trabalho.
Fui ao banco com
meu pai, e solicitei ao gerente, mediante um documento assinado, que fosse transferido
para ele todo o dinheiro que o Nilo depositasse, o que seria para cuidar das
crianças enquanto eu estivesse fora.
Arranjei um
pensionato, pertinho do trabalho, e nos finais de semana corria para perto dos
meus meninos.
Só que isso não
durou muito tempo, pois logo eu adoecí.
Meu pai aparecia,
para pedir mais dinheiro, alegando que a pensão não dava para pagar as
despesas.
Comecei a me sentir
muito mal, e precisei ser internada várias vezes, numa clínica perto de casa,
até que um dia, um dos médicos me disse que meu caso não tinha solução.
Fiquei muito assustada,
pensei que eu tivesse alguma doença incurável, que estava para morrer. Já
bastante debilitada, pedi demissão do emprego, juntei minhas coisas e voltei
para a casa dos meus pais. Infelizmente, minha mãe me aceitou por pouco tempo.
Após treis dias,
prostada em cima da cama, com muita febre e sem conseguir me alimentar, não
aguentei e pedí a meu pai que fosse chamar um médico que era amigo nosso lá na
cidade.
Assim que o
médico chegou, expliquei a ele o que estava acontecendo comigo.
Ele examinou umas radiografias que fizeram lá
na clínica, e disse que eu aguardasse até de tarde, pois voltaria com uma
solução para o meu caso.
Ao retornar, me
perguntou se eu aguentaria chegar até Belo Horizonte, para uma consulta com um
médico de sua confiança, que já estava a par do meu caso e me esperava no
Hospital Felício Rocho.
Foi com enorme
esforço, que coloquei algumas peças de roupa numa pequena sacola, separei
alguns documentos, entrei no ônibus e fui ao encontro daquele médico.
Ao chegar ao
hospital, estava com uma forte febre me queimando a face, quando alguém me
perguntou quem era o meu acompanhante, pois precisava ter alguém ali, para me
internar. Eu respondi: “sou sozinha no mundo, não tenho ninguém, sou indigente”,
enquanto escorregava pela parede e caía no chão, já sem forças.
O médico
apareceu, e eu acabei sendo internada como indigente.
Depois de fazer alguns
exames, foi constatada a osteomielite, localizada nas vértebras.
Foram doze dias
internada. Fiquei tão mal, que perdí nove quilos, dos poucos que ainda me
restavam.
O que passei
naquele hospital não foi tão fácil de suportar.
Não conseguia
descobrir o que me atrapalhava o intestino. O banheiro era no final do
corredor, e eu tinha que atravessá-lo, com soro na veia, o dia inteiro.
Era o tempo todo,
carregando aquele soro pelo corredor, para lá e para cá, segurando nas paredes
para não cair de fraqueza.
No final,
engessaram o meu corpo, num top que pegava debaixo dos braços, tipo tomara que
caia, até os quadris.
Uma dose cavalar
de garamicina iria garantir a quase extinção da doença e assim eu frequentava a
farmácia, para tomar injeção, de manhã e à tarde, ora num braço, ora no outro.
O tratamento
durou dois meses, quando voltei para retirar o gesso.
Enquanto estava
internada no hospital, ninguém da minha família apareceu para me visitar, nem
meus pais me procuraram.
A única pessoa
que esteve lá para me ver foi minha madrinha Graciana, filha da vó Norata, lá
de Itabirito, que ficou sabendo do meu estado de saúde e quis me fazer uma
visita.
Ela me dizia, que
quando eu saísse do hospital iria para a casa da vovó, viver com elas.
E foi assim que
voltei para Itabirito e busquei meus filhos para perto de mim, novamente.
Nilo se aproveitou
da situação, e entrou com um pedido de posse dos filhos, na justiça. Alegou que
o motivo era a minha incapacidade de ficar com eles, tudo combinado com meus
pais, que ficariam com as crianças em troca de uma gorda pensão, desde que
afirmassem o que ele queria, diante do juiz.
No entanto, eu fui
avisada antes e cheguei a tempo na audiência, ao lado de um advogado que a vovó
arranjou. Durante o trajeto, fui contando a ele o meu caso e ele me defendeu. Então
fiquei com a guarda dos meus filhos, único bem que me restava.
Algum tempo
depois, meu pai apareceu lá na casa da vovó e pediu que não ficassem comigo lá.
Eu estava no
quarto, ouvindo a conversa, atrás da porta, quando ele chegou e todos foram recebê-lo.
Eu ainda estava muito magoada e por isso, não
aparecí de imediato.
Foi aí que ele
conversou com as “comadres”, como costumava chamar as tias, na sala de jantar, próximo
ao local onde eu estava.
Depois de dizer o
que ele queria ouví minha madrinha responder que eu havia sido criada por elas,
e que me conheciam mais que eles, que eram meus próprios pais.
Falou também, que
aquela casa era o meu verdadeiro lar, onde eu seria acolhida sempre que
precisasse, mesmo que isso custasse a antiga amizade existente entre eles.
Nunca me esquecí
disso. Foi aí que percebí a diferença de uma verdadeira família: aquela que me
acolheu naquele momento, e a outra, que me negou abrigo, quando eu estava
desamparada, com dois filhos pequenos para cuidar.
Não quis abraçar
meu pai naquele dia, e permanecí escondida até que ele foi embora.
Resolví ficar por
lá, até que as coisas se organizassem na minha cabeça e eu pudesse me tratar
direitinho.
O Nilinho foi
estudar em Cachoeira do Campo, num colégio de padres, que funcionava como internato.
Lá eu ia visitá-lo toda semana, pois era pertinho e eu podia estar sempre com ele.
O filho de um
amigo da minha avó, também estudava junto com Nilinho e sabendo disso, fiquei
mais tranquila, pois ele já tinha um coleguinha na mesma escola.
Ana Paula era
muito pequena ainda e já era o xodó das tias da casa.
Cheguei naquela
casa muito magra e debilitada, mas em pouco tempo, com todos os mimos das tias
e alimentando bem, comecei a engordar dentro do gesso e tive que ponderar nas
gulodices, até que pudesse retirar o gesso.
Foi como se
voltasse ao tempo de infância, naquela casa.
Já havia se passado
quase um ano, desde que fomos morar lá, quando o Nilo apareceu para uma
visita.
As velhas
senhoras, como de praxe, receberam-no bem, como qualquer outra visita.
Veio então, uma
proposta para que eu voltasse a viver com ele, o que eu não aceitei naquele
primeiro momento.
Outras visitas e várias
promessas foram feitas, na condição de que, se eu voltasse, não precisaria mais
trabalhar como antes.
Dizia que estava
arrependido, que tinha mudado e que queria reconstruir a família.
Essas visitas
foram amolecendo o coração das pessoas, que achavam que eu deveria dar a ele
outra oportunidade. Eu dizia que não acreditava naquela mudança, mas diante de
tanta insistência, acabei cedendo.
De volta ao
antigo lar, fui dominando as emoções e a vida renasceu, como num filme em alta
velocidade na minha cabeça.
Eram muitas
mágoas para esquecer, muito de mim para anular e aceitar de volta o que minhas
entranhas se recusavam a admitir.
Resolví enfrentar
tudo pelo bem dos meus filhos.
Ainda nos primeiros
dias da minha volta, presenciei uma reunião do Nilo com alguns senhores, onde
ele praticamente entregaria todos os negócios, como num arrendamento, já que
ele não se dispunha a trabalhar, como eu fazia quando estava lá.
Percebí o mau
negócio que estava pra ser feito, e interví, dizendo a ele que eu estava
disposta a administrar tudo, desde que ele não interferisse.
E começou tudo de
novo!
Foi um tempo de
grande progresso e negócios ampliados. A casa no sítio foi toda reformada, o
abatedouro com máquinário de primeira, galpões para a criação de frangos, enfim,
muito trabalho e bastante melhoria.
No entanto, Nilo
continuou do mesmo jeito que sempre foi e, daí a alguns anos tudo teve fim,
como nas outras vezes.
Voltei para BH e
fui morar perto da minha irmã mais velha.
Procurei estar
perto da família, pois acreditava ficar bem dessa forma, já que minha saúde
estava fragilizada e meus filhos poderiam precisar de um amparo rápido.
Minha vida foi se
desenvolvendo, numa casinha modesta.
Não me descuidei
do tratamento de saúde, porém, num belo dia, acabaram me aposentando por
invalidez, já que meu caso não tinha retrocesso.
Pelo menos, passei
a ter uma pensão do governo para alimentar meus filhos.
Mesmo assim, tentava
encontrar algum trabalho. Fazia salgados para vender, e minha irmã me arranjou
emprego em um supermercado.
Cantar, pra quê?
Alguns amigos, daqueles
que sempre me ouviam cantar naquele começo de vida, decidiram ajudar,
conseguindo pra mim um emprego como cantora.
Foi assim que
comecei a mostrar minha voz.
No começo, foi muito
difícil dominar a timidez diante de um público, mas aos poucos, devido à boa
acolhida que tive, fui me entusiasmando.
Já com uma
situação mais sustentável, me mudei com os filhos para um local mais central, a
fim de poder trabalhar sem riscos de voltar para casa muito tarde, devido à
distância.
Algum tempo
depois, minha irmã resolveu trazer nossos pais para viverem em Belo Horizonte, e
foi assim que arranjamos uma casinha perto dela para eles morarem.
Aos domingos, a
gente ia passear na casa deles, esquecendo as mágoas do passado e felizes com a
vida nova.
No começo, mamãe
não gostava da profissão que eu escolhi. Dizia que isso era perdição e que eu
acabaria mal falada.
Eu respondia que
a gente podia se manter honesta em qualquer lugar, basta querer.
Muito tempo se
passou. Até então, eu me mantia sozinha,
cantando pelas noites.
Meus filhos foram
crescendo e estudando em bons colégios, até que um dia conhecí alguém que despertou
em mim o lado mulher, adormecido e sepultado pelo sofrimento passado.
Ao querer assumir
o novo relacionamento, meu filho Nilinho foi categórico em dizer que, se eu
arranjasse outro homem na minha vida, ele iria morar com o pai, que a essa
altura já havia feito o convite.
Foi dolorosa a
decisão, mas ele já estava com 18 anos bem vividos ao meu lado, com todo o
carinho e já estava na hora de alçar vôo e tentar outro caminho.
Eu sabia, no
fundo, que mais dia ou menos dia, ele iria embora de qualquer jeito, então,
deixei que ele partisse e resolví aceitar um novo companheiro ao meu lado.
Aos poucos fui
apresentando o novo companheiro para a família, e para minha satisfação,
gostaram dele e o aceitaram muito bem.
Nilo já havia
tentado nova família por lá e teve mais dois filhos.
A segunda mulher
também não suportou por muito tempo as suas bebedeiras e humilhações e logo saiu
da companhia dele, indo viver com os pais, numa pequena cidade de interior.
Nessa época, eu
estava melhor de situação financeira, pois trabalhava muito e ganhava bem.
Fiquei sabendo
daquela pobre mulher, com duas crianças abandonadas e que ainda por cima eram
irmãos dos meus filhos e resolvi procurá-la.
Fui até a ela,
que a princípio não me recebeu bem, mas diante da minha oferta de ajuda, embora
desconfiada, resolveu aceitar.
Não ví nela uma
rival, mesmo porque, já não nutria qualquer sentimento por aquele homem com
quem ela também viveu.
Aos poucos ela
foi confiando mais em mim e, com isso, não foi difícil entregar-me as crianças
para criar, tudo feito com documento assinado e dentro da lei.
Já com o meu novo
companheiro, formamos uma nova família.
As crianças,
Gabriela e Marcelo, estavam muito desnutridos, com vários machucados e muitas
feridas pelo corpo, além de verminose.
Aos poucos, fomos tratando das crianças e
colocando-as na escola.
A mãe aparecia de
vez em quando, para visitá-los e pedir algum dinheiro. Até que, alguns anos
depois, ela se casou e decidiu pegar os filhos de volta.
Sofremos muito
com a atitude dela, pois já tínhamos nos apegado a eles, mas nunca os perdemos
de vista.
Um dia, papai
caiu na rua e foi levado ao hospital. Tinha sofrido um infarto.
Nunca mais ele
foi o mesmo e acabou entrando em depressão, apesar do carinho que recebia da mamãe
e dos filhos.
Foi então que
resolví ir morar com eles, para estar perto e cuidar.
A casinha era
pequena, então arranjamos uma maior e fomos para lá, com toda a família.
Nossa arte ia a
todo vapor!
Meu companheiro era guitarrista e a dupla fazia sucesso nas
noites. Até mamãe acabou ficando fã!
Nossa casa era
visitada por muitos artistas, que conviviam com a gente e conheciam meus pais.
Minha mãe era
sempre muito agradável, gostava de cozinhar e ficava feliz, quando comíamos tudo o que ela fazia.
Sempre que
sobrava comida, dividíamos com minha irmã, que morava perto, e também tinha
filhos.
Nossa casa passou
a ser a casa da Vovó Laura.
A casa era
frequentada pelos filhos e netos. Formávamos
uma só família, pois a casa era de todos, embora fosse mantida por mim.
Os netos foram
crescendo e fazendo a alegria dos avós.
Nilinho se tornou
pai aos vinte anos, deixando vir ao mundo meu primeiro neto e o primeiro
bisneto de Laura e Moreira.
Mamãe e papai carregando o primeiro bisneto
Matheus.
Também a filha de
Maria José, Miriam, casou-se, e nasceu a bisneta Ana Laura.
Papai era aquele
avô brincalhão, no qual os netos subiam nas costas e rolavam pelo chão, até que
a doença transformou sua vida e a nossa.
Nunca mais conseguiu
se recuperar, caindo em profunda depressão.
Mesmo assim, mamãe o cercava de todos os cuidados e carinhos.
Nas bodas de ouro, Papai conversa com Tio
João, Ana Paula e Rogério
Jordana, Tio
João, papai, Ana Paula, mamãe, Cibele, Genaro, Mirinha, Nilinho com Matheus,
Juninha, Uma amiga, e amigo.
O
abraço
Nas Bodas de
ouro, lá estavam eles, cercados de filhos, netos e bisnetos e de uma infinidade
de amigos. Minha filha já casada e com uma filhinha, Laura.
Mandamos celebrar
uma missa, no quintal da casa, onde os amigos
rodearam o altar e eu cantei a Ave Maria para ele. Foi uma emoção geral!
Alguns anos depois,
mamãe sentiu-se muito mal e um câncer fulminante lhe interrompeu a vida, nos
deixando muita saudade.
Morreu aos 73
anos de idade, deixando uma bela família aqui.
Papai faleceu pouco tempo depois.
Faz muitos anos que mamãe e papai nos
deixaram.
Mudamos daquela casa e começamos uma nova vida:
eu e minha família.
A filha Ana Paula, já casada, agora com dois
filhos que adoramos e que encantam nossa vida.
Os anos se passaram, porém, continuamos
cantando e tocando do mesmo jeito de sempre, com um público cada dia mais fiel
e que não se cansa de nos ouvir.
Matheus já formando em direito, e é o nosso
orgulho.
Laura, a filha de Ana Paula, já está uma
mocinha e o Vinícius é a grande paixão de nossas vidas.
Cantar,
porque Deus nos deu o dom de nos comunicarmos com a vida e com as pessoas,
através da música. O palco é um local
sagrado para nós, pois é lá que se manifesta todo o sentimento que a alma pode
expressar. É uma imensa energia, que flui da alma e envolve aqueles que nos ouvem.
Fomos, e ainda somos muito felizes!
Guardamos
na mente todos os detalhes dessa infância maravilhosa, para serem repassados
aos nossos filhos e netos, que certamente, um dia vão querer contar para os
seus, e se lembrarem de nós.
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